terça-feira, 26 de agosto de 2014

Rio -> Salvador: 730 milhas de muita emoção

Depois de um fim de semana de descanso, finalmente apareceu na terça-feira, dia 19 de Agosto, uma janela perfeita para zarpar rumo a Salvador. A idéia era tocar direto, sem parar em Vitória, pois estávamos um pouco atrasados no cronograma e tínhamos que fazer a viagem render.

19 de Agosto: Primeiro dia

Saindo do Rio
Saímos às 13:40h, o vento era de Oeste, porém insuficiente para velejar. Motoramos a noite toda. O mar calmo, devido ao vento estar muito fraco, e, ainda por cima, entrava pela popa, o que resultava em um vento aparente praticamente nulo. 
O "Vento Aparente" é a resultante gerada pela velocidade do vento real somada (ou diminuída) da velocidade do barco. É o vento que você sente no rosto, mais ou menos equivalente à "sensação térmica", muito usada em meteorologia. Por exemplo, se o vento real for de 5 nós e velocidade do barco também for de 5 nós o "vento aparente" será de zero nó se o barco estiver andando na mesma direção do vento, porém será de 10 nós se o barco estiver se deslocando na direção oposta ao vento. 

20 de Agosto: Um dia pra não esquecer! 

O salto da Jubarte
 Lá pelas 10 da manhã começou o espetáculo das baleias! Um show impressionante, nunca havia presenciado algo tão belo e ao mesmo tempo assustador. Dezenas de baleias próximas ao barco, famílias inteiras viajando juntas, se protegendo mutuamente e dando saltos espetaculares, algumas toneladas de massa saindo totalmente da água, brincando como se fossem crianças felizes, livres dos predadores desde 1986 quando sua caça foi definitivamente proibida no Brasil. Em vários outros momentos vimos muitas delas se deslocando pelo mar, resultado de uma proliferação sem precedentes ocorrida nesses últimos quase 30 anos de proteção desses animais por lei. Segundo as estimativas do Greenpeace, foram mortos no século XX mais de dois milhões destes animais. 

Primeira "balonada" do Blue Wind
O sol entre o mar e o balão
Ao meio dia entrou um vento SW de aproximadamente uns 14 nós que nos proporcionou uma velejada memorável! O Ruy corre regatas comigo desde que começamos a trabalhar juntos na Wind Náutica, uns 3 anos atrás. Portanto já nos conhecemos bem e bastou uma troca de olhares para chegarmos juntos à mesma conclusão: Chegou a hora de testar nosso balão!! Vento perfeito, tanto na intensidade como na direção. E assim tiramos o saco do balão do paiol de popa e "tocamos o bicho pra cima", como se diz em bom "gauchês". Só quem veleja sabe o prazer que proporciona uma "balonada", termo criado no mundo náutico para definir uma velejada com ventos de popa e a vela balão em cima, que pode ser tanto simétrica (spinaker) ou assimétrica (genaker), como é o nosso caso. Esse deleite se prolongou até as 20:00hs quando decidimos baixar o balão pois o vento rondara novamente para a popa do barco e teríamos que sair muito do rumo para continuar velejando de uma forma eficiente. Além disso, a madrugada se avizinhava e estávamos nos aproximando de Vitória onde sabíamos que haveria muito trafico de navios. Era muito provável que tivéssemos que desviar de alguns, como sempre ocorre nesses casos, principalmente à noite e, de balão em cima, as manobras são bem mais delicadas demandando muita atenção e prudência. Resumindo, o dia foi fantástico! Baleias, uma velejada inesquecível, um churrasco de primeira, como não poderia faltar, enfim, a felicidade estava estampada em nossos rostos, estávamos de alma lavada, tudo simplesmente perfeito! Até o dia seguinte...

21 de Agosto: Um dia pra esquecer! 


O dia amanheceu e já estávamos no través de Santa Cruz, umas 25 milhas ao norte de Vitória. Eu estava terminando meu turno e o Ruy recém acordando para assumir o dele. Entrou novamente aquele vento de SW de 14-15 nós, quando decidimos, antes da "troca da guarda", colocar o balão pra cima e dar uma folga naquele ruído irritante do motor que vinha nos atormentando durante toda a noite.
Tudo perfeito, o barco andando entre 7 e 8 nós, aquela sensação de prazer tomando conta do corpo e da alma, o sono batendo e eu já me vendo na cabine de proa, dormindo sem a barulheira do Japa (nosso motor, um Yanmar de 54HP, o qual apelidamos de "Japonês").
Entrei no barco e quando me dirigia para o quarto escutei um barulho diferente... Um segundo depois o Ruy gritando lá fora, me chamando para ajudar... Saí despencando para o cockpit e quando cheguei lá fora não queria acreditar no que estava vendo... Nosso lindo balão totalmente dentro da água, com enrolador e tudo, entrando pra baixo do barco, uma cena impossível de ser esquecida! 
Enrolamos a vela mestra, tratamos de parar o barco e começamos uma delicada operação para resgatar nosso equipamento. De início pensamos que conseguiríamos trazer tudo para cima sem precisar mergulhar, o que teria sido ótimo pois o mar estava muito mexido e cair na água naquelas condições parecia ser bem complicado.
Logo percebemos que aquele pensamento não passava de uma mera "expressão de desejo" pois o enrolador já estava por baixo do barco e a escota de sotavento também. Um desastre!! Não tive outra alternativa, coloquei os pés de pato e a máscara e me joguei na água, iniciando um delicado trabalho de resgate do nosso equipamento, uma missão que exigia um certo fôlego e, acima de tudo, muito cuidado para não tomar pancada do barco (que pesa umas 12 toneladas) e estava totalmente à deriva, em um mar bastante picado. Felizmente tudo deu certo, consegui desenrolar a escota e o enrolador e salvar nosso balão! Tremendo sufoco!! 
Mais tarde, analisando o material, vimos que a adriça (cabo que leva a vela para o tope do mastro) havia partido com a pressão, provavelmente por estar estrangulada quando foi içada. Final feliz!!


22 de Agosto: Um dia normal! 

Após o episódio narrado acima, no dia seguinte correu tudo bem e fizemos uma ótima média de 8,2 nós, o que nos agradou bastante pois pretendíamos chegar à Salvador no dia seguinte, o mais cedo possível. Eu tinha planos de voltar à Floripa no mesmo dia e, para isso, tínhamos que andar rápido.

O resto da viagem foi muito tranquila, chegamos em Salvador às 11:30 hs do dia 23 de Agosto, depois de percorrer 730 milhas em exatas 94 horas, menos de 4 dias, sem dúvida, uma ótima performance.

Próxima etapa: Maceió!! 


2 comentários:

  1. Você escreve muito bem, viajo contigo mesmo quando estou em casa!

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    1. Obrigado, nos proximos posts vamos juntar os talentos e escrever a quatro māos!

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