domingo, 23 de novembro de 2014

Oitava Perna: Noronha -> Fortaleza


Após quase uma semana de descanso em Noronha, depois da atribulada REFENO deste ano (ver post anterior), no Sábado dia 04 de Outubro às 7 e meia da noite saímos de Fernando de Noronha rumo a Fortaleza.

Nem sempre a vida no mar é um "mar de rosas", principalmente no que diz respeito à burocracia da Capitania dos Portos para emitir um despacho (documento de entrada e/ou saída de um porto, obrigatório para embarcações que entram ou saem do país por qualquer porto brasileiro).
Pera aí… e o que temos que ver com isso, se não estamos nem entrando nem saindo do país e somos um barco brasileiro, com tripulação brasileira? Ocorre que Noronha, por ser uma ilha oceânica, não se insere na mesma categoria dos outros portos. Quem chega ou sai de Noronha necessariamente estará navegando em mar aberto, precisando para tal cumprir com uma série de exigências feitas pela Marinha em prol da segurança da tripulação. A habilitação exigida é de Capitão Amador e entre os equipamentos obrigatórios estão a balsa salva-vidas e o EPIRB, um emissor de sinais via satélite que pode ser disparado (ou dispara automaticamente em caso de contato com a água) e envia a localização exata do barco para as autoridades responsáveis pelo resgate, em caso de emergência. Como estamos com tudo em dia, não tivemos dificuldade de obter o despacho. Fui atendido pelo Sgt Eugênio que prontamente me concedeu o despacho de saída da ilha.

A tripulação dessa vez estava composta por mim, pela Ani e pelo Ruy. Saímos de Noronha ao anoitecer do dia 04, calculando chegar no Atol das Rocas no dia seguinte pela manhã, pois ainda tínhamos esperanças de poder fazer uma "parada técnica" e, quem sabe, poder desembarcar e conhecer aquele magnífico santuário. Infelizmente não foi possível desembarcar, mas ao menos conseguimos permissão para fundear e passar algumas horas por lá, quando aproveitamos para fazer um churrasco, descansar um pouco e também consertar o desalinizador que não estava produzindo água desde à noite anterior.

O vento estava muito forte e a ancoragem na barreta de NW estava muito desconfortável. A âncora ficou presa em uma pedra e tive que mergulhar para soltá-la. Estávamos com uns 8-9 metros de profundidade, o que tornou a operação bem difícil. Voltei para a superfície no limite de meus pulmões, felizmente com a missão cumprida pois se precisasse descer de novo acho que não teria mais fôlego para isso.

Rumamos então para Fortaleza, nosso último porto brasileiro antes de iniciar nossa jornada em águas internacionais. A viagem foi ótima, apesar de o mar estar bem agitado na maior parte do tempo. Apenas nas últimas 24 horas tivemos um descanso pois o mar acalmou e tivemos uma navegação em popa rasa fantástica, apenas com a vela grande em cima e ventos de 22-25 nós, empurrando o Blue Wind a invejáveis 10 nós de velocidade. A Ani não mareou em nenhum momento, mesmo tendo optado por não tomar remédio para enjôo, o que tornou nossa navegação ainda mais prazerosa.

Às 21:40hs do dia 06 de Outubro chegamos à Fortaleza. A maré estava baixa o que dificultou a entrada na marina do hotel Marina Park. Decidimos então ancorar do lado de for a da marina e dormir, ficando a tarefa de atracar o barco para o dia seguinte. Imaginem como foi nossa noite após 52 horas no mar… Literalmente apagamos! No dia seguinte atracamos o barco, fomos muito bem recebidos pelo Armando, gerente da marina, que faz de tudo para que os velejadores que por lá passam se sintam em casa. Dois dias depois fechamos o Blue Wind e voltamos todos para casa, para resolver as últimas pendências em terra antes de iniciar nossa próxima perna, dessa vez bem mais longa, rumo ao Caribe.

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Sétima perna: Recife - Noronha


   A semana anterior à REFENO (famosa regata oceânica entre Recife e Fernando de Noronha), que fazia parte de nossa rota rumo ao Caribe, foi muito agitada. Chegamos ao Iate Clube Cabanga, que organiza a regata, no domingo dia 21 de Setembro, seis dias antes da data prevista para a largada. Depois de uma travessia relativamente tranquila (para alguns e nem tanto para outros) entre Maceió e Recife, decidimos comer um merecido churrasco em uma das melhores churrascaria de Recife.


Pré-largada
 Na segunda-feira começou a clássica função da regularização do barco para a regata. Apresentação de certificado de medição, inspeção da marinha, instalação da base de dados do Iridium para poder ter comunicação em alto mar, compra das cartas náuticas faltantes, reunião de comandantes e todas aquelas burocracias necessárias para obter a liberaçāo da Marinha do Brasil para "lançar-se ao mar".

   A Marinha leva tudo isso muito a sério nessa regata pois não se trata apenas de uma navegada próxima à costa mas sim de uma singradura oceânica, onde os competidores enfrentarão condições adversas dia e noite. 

   Dessa vez a Ani estava o tempo todo junto, dormindo no barco, participando de tudo e super entusiasmada com a idéia de participar da regata como tripulante, mesmo depois de ter passado mal na ultima perna, por conta de haver ficado mareada por muitas horas.

Largada
O final da semana e da largada se aproximava e eu acompanhava cuidadosamente a previsão do tempo para não ter nenhuma surpresa desagradável que pudesse  comprometer a motivação e o sucesso da velejada. Era minha intenção nessa perna apagar a "má impressão" que se formou na mente da Ani após o trecho entre Maceió e Recife. Nossa tripulação seria, a princípio, cinco pessoas, mas como a previsão do tempo foi se modificando no decorrer da semana (para pior), decidimos que a Ani não participaria da regata pois sem dúvida a navegação que nos esperava pela frente seria muito dura. Na última hora meu amigo Tonho, de Maceió, parceiraço de várias REFENOS e amigo de muitos anos, me ligou e me avisou que também não poderia ir.

    Acabamos com somente três tripulantes: eu, o Ruy e o Marcel Miranda, outro amigo alagoano, velejador dos bons e também grande parceiro de outras REFENOS.

   Tudo organizado, no sábado de madrugada saímos do Cabanga  para o PIC (Pernambuco Iate Clube) pois devido ao nosso calado precisávamos sair com a maré alta, que acontecia as 5:30 da manhã naquele sábado, caso contrário corríamos um grande risco de ficar encalhados e perder a largada da regata.

Ruy no início da Regata
   À uma da tarde largou nosso grupo, com um vento de través consistente que  nos proporcionou um bom início de regata. Rumamos para a Praia da Boa Viagem onde estava a primeira (e única) bóia da prova. Nos aproximamos rapidamente para montar a bóia e quando chegamos nela… Pasmem, o vento parou!  Putz, bem agora! O leme não respondia, não conseguíamos cambar, o mar agitado e nem uma brisa pra ajudar!
   Resultado: a correnteza nos arrastava para trás, não tínhamos controle sobre o barco e acabamos batendo na marca, que tinha dois fiscais dentro, pois na verdade a bóia era um bote. Um deles, vendo nosso desespero, nos estimulou a seguir em frente, no entanto decidimos pagar um 360° (penalidade prevista na regra nessa situação) invocando o mais nobre espírito esportista que todo competidor deve ter e nos tornando assim os primeiros idiotas da história das REFENOS a pagar um 360 na montagem da única bóia da regata!! Começamos bem!!

   Em seguida, como se tudo não passasse de uma ilusão, o vento voltou a soprar e o Blue Wind começou a velejar com toda elegância que lhe é peculiar, deslizando graciosamente nas águas de Recife e iniciando finalmente sua jornada rumo a Fernando de Noronha.

Eu e Ani na Praia do Leão
   O barco andava bem, nos preocupávamos constantemente com a trimagem das velas e com o rumo, pois ter sucesso nessa regata depende basicamente de dois fatores: andar em linha reta (manter o rumo) e com velocidade (regular as velas constantemente). Mesmo com a tripulação reduzida conseguíamos manter um ótimo ritmo, com o vento aumentando e com o mar engrossando cada vez mais.

   Ao cair a noite o vento já estava na casa dos 25 kn e as ondas chegavam próximas dos 3 metros e meio, deixando a navegada bastante desconfortável. Na madrugada de sábado para domingo já estávamos com todas as velas reduzidas e, mesmo assim, o Blue Wind mantinha um ritmo entre 7,5 e 8,5 kn, muito bom considerando que o barco está muito pesado pela quantidade de equipamentos que carrega. Somente na madrugada de domingo para segunda é que o vento deu uma acalmado nos possibilitando finalmente colocar todos os panos para cima.

Noronha
   Cruzamos a linha de chegada exatamente às 4:55h da manhã, fazendo as 300 milhas entre Recife e Noronha em 39 horas e 55 minutos, excelente se considerarmos as 2 horas que perdemos desde a largada até a desastrosa montagem da bóia da Praia de Boa Viagem, em Recife.

   Fomos o 24° barco a cruzar a linha, entre um total de 70, e o 4° na nossa classe. Tudo parecia estar se encaminhando para um ótimo resultado… Não fosse por erro em nosso certificado de medição…

   Chegar de barco em Fernando de Noronha… Uma sensação única, indescritível! Essa deve ter sido a minha oitava ou nona REFENO, mas sempre é como se fosse a primeira. Essa ilha é mágica, tem uma energia única e mesmo estando exaustos da regata sentimos uma enorme sensação de bem estar quando fundeamos no porto de Noronha, provavelmente  um dos únicos portos do mundo onde você é calorosamente recepcionado pelos golfinhos, essas adoráveis "crianças do mar" que parecem estar sempre de alto astral!

   Saldo da regata: tripulantes de vários barcos passando mal pela condição incomum de mar pesado nessa época e vários abandonos, sendo que um catamarã capotou e afundou. Por sorte toda a tripulação foi resgatada, sem maiores consequências, exceto pelo susto.

   A semana em Noronha foi perfeita, a Ani chegou na segunda-feira de avião e ficamos até sábado na Ilha, aproveitando cada minuto no paraíso.

   Na quarta-feira saiu o resultado da regata. Todos ansiosos, será que ganhamos? Talvez não, mas no mínimo esperávamos subir ao pódio.  Velejamos muito bem, andamos rápido, tínhamos certeza que havíamos exigido tudo do barco… Chegávamos a superar os 10 knt. de velocidade em alguns momentos, literalmente surfando as ondas, que a essa altura já vinham de sudeste, ajudando bastante na performance do barco.

Chegando em Noronha   
 
Vejam só qual não foi nossa surpresa quando vimos o resultado de nossa classe, a RGS A: Blue Wind 1° lugar… Ops, faltou um zero… Na verdade, 10° lugar!! Caracas!! Como pode ser? Fizemos tudo tão certinho… Pois é, mais tarde, quando me refiz do "balde de água fria",  parei para comparar nosso rating com o dos concorrentes, na tentativa de entender o que estava acontecendo, e só então me dei conta do absurdo que é a regra da RGS no Brasil. Barcos similares ao nosso, como por exemplo o Delta 45, que deveriam ter ratings muito parecidos, tinham ratings absurdamente menores a ponto de nosso barco "pagar" mais de 4 horas em uma regata de 40 horas como essa. Começo a entender porque essa regra está cada vez mais sendo abandonada pelos competidores mais sérios que estão migrando para a ORC, uma regra muito mais justa e profissional que a RGS.

Comemorando a chegada!!
   Mas como diz o ditado, o importante é competir! Seja em primeiro, seja em décimo, mais uma perna de nossa aventura foi concluída com êxito. Agora falta apenas um trecho em território brasileiro: Noronha - Fortaleza, mais 360 milhas para chegar ao último porto verde e amarelo.

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Salvador -> Maceió: Prova de fogo do Blue Wind


   Na segunda-feira dia 01 de Setembro voltei a Salvador após uma semana em Floripa resolvendo coisas de trabalho, da casa e também descansando um pouco da "função" da preparação do barco para a volta ao mundo. Ao chegar no aeroporto ainda tive que passar no setor de cargas da Gol para apanhar nosso radar, que havia pifado no Rio de Janeiro, e teve que voltar a Porto Alegre para ser consertado. No trecho anterior, havíamos navegado quatro dias e quatro noites sem radar, o que nos obrigou a estar muito mais atentos, principalmente à noite, deixando a viagem mais tensa.
   A partida para Maceió estava programada para quinta-feira dia 04 cedinho, aproveitando um vento de Sudeste de 10-12 nós, que, segundo a previsão, se intensificava na sexta-feira, chegando a 20-24 nós, condição perfeita para essa velejada. Um pouco forte no pico de 24 nós, mas como era a favor, pensamos que tudo seria muito tranquilo... Que ingenuidade!! Ainda não imaginávamos o que o destino nos reservara...

Previsão para o dia 04 a meia noite - Partida
   A semana foi bastante corrida. 
   Providenciamos a manutenção periódica do   gerador,   compramos  o  tão   esperado   "kit conforto" do cockpit, uns estofados e almofadas que deixarão nossas madrugadas bem mais confortáveis, entre muitos outros detalhes menores que precisavam ser resolvidos.
   O "stress" da semana ficou por conta de uma promessa não cumprida de um fornecedor, que ficou de nos entregar um equipamento para ser instalado em Salvador, e nos deixou literalmente "a ver navios". Acabamos tendo que sair sem o equipamento pois a janela de tempo que tínhamos programado para esse trecho não nos permitia esperar mais. Quanto mais confio nessa gente mais me decepciono. Se não tivesse acreditado na tal promessa teria dado outro jeito e tudo teria se resolvido.

   
Previsão para as 21h do dia 05 - Metade do caminho
   Na quinta-feira dia 04, após uma cuidadosa análise da última previsão do tempo, decidimos partir às 9 e meia da noite. A hora da partida se aproximava, aquela tensão pré "soltura das amarras" se intensificava e aquele friozinho na barriga começava a se manifestar. Sair à noite sempre gera uma tensão maior, afinal, como diz o ditado, à noite todos os gatos são pardos! 
   Dessa vez nosso radar funcionava, o que amenizava um pouco o nervosismo da partida noturna. Às 7 e meia da noite tomamos um bom banho e saímos para jantar na marina, talvez inconscientemente já prevendo que esta seria nossa última refeição decente nas próximas quarenta e oito horas. Não tínhamos ainda a menor noção do que nos esperava la fora... 
Precisamente na hora marcada, partimos rumo a Maceió!!

Saindo de Salvador
O vento estava exatamente conforme a previsão, Sudeste de 10-12 nós o que aumentou nossa confiança de que a viagem seria muito tranquila... Nosso rumo ao dobrar o Farol da Barra era 125°, bem na proa, no entanto sabíamos que, uma vez passada a Ponta de Itapuã, estaríamos em um rumo perfeito para uma velejada memorável, com ventos pela Alheta de Boreste até Maceió.

Definidos os turnos, fui dar uma descansada enquanto o Ruy assumia a primeira guarda da noite. Tentei dormir um pouco mas não consegui pegar no sono. Por volta de meia noite, quando passávamos pela Ponta de Itapuã, levantei e fui para o cockpit assumir meu posto. Nesse momento o Ruy se jogou pra dentro da cabine de popa e foi descansar. Me acomodei no banco de bombordo, inaugurando o estofado novo, e senti, naquele momento, uma sensação de muita paz e serenidade, que durou aproximadamente... uns 5 minutos!!

O vento passou instantaneamente de 12 para 20 nós, em seguida para 25, o barco começou a adernar e, quando me dei conta, já passava dos 30 nós. A princípio pensei ser um "Pirajá", fenômeno que ocorre muito por esses lados e que se trata de uma nuvem de chuva intensa, associada a ventos muito fortes, porém que duram apenas alguns minutos e em seguida desaparecem. Quando o vento chegou a 35 nós decidi não perder mais tempo e chamei o Ruy para me ajudar a rizar as velas (diminuir a área vélica para o barco sofrer menos) e assim conseguir continuar velejando sem quebrar nada. Até aqui tudo estava relativamente controlado pois apesar do vento forte o mar ainda apresentava boas condições de navegação. Não tardou muito para as ondas começarem a crescer e e o vento continuava na casa dos 30 nós, com rajadas de 35 chegando em alguns momentos a 38 nós. Lá pelas duas da manhã as ondas já estavam entre 4 e 5 metros e a navegação já começava a ficar bem difícil. O barco balançava muito e as ondas começavam a rebentar no costado inundando o cockpit e tornando a convivência naquele ambiente praticamente impossível. Assim foi a noite toda e eu apenas rezava para que o piloto automático aguentasse aquele pancadaria, caso contrário teríamos que assumir o leme e nossa vida se complicaria muito. Manter o rumo e timonear o barco nessas condições seria uma tarefa "hercúlea". Ao amanhecer o vento continuava igual e o mar ia ficando cada vez mais pesado, mas ao menos teríamos luz para enxergar melhor (a essa altura eu quase estava preferindo não ver!!). 

   E assim seguiu a viagem, sem a menor trégua, até chegar a Maceió. O cansaço aumentava cada vez mais pois era muito difícil dormir, devido ao forte balanço do barco, e muito difícil cozinhar, pela mesma razão. Nos alimentávamos à base de café, chocolate e barras de cereais. De vez em quando alguma fruta e muito raramente um sanduíche que dava uma trabalheira medonha para preparar. Apesar disso, o barco se comportava muito bem, o piloto automático aguentava firme e não havia nenhum sinal de que algo mais grave pudesse ocorrer, mesmo enfrentando condições duríssimas como essas.
É curioso como as sensações vão mudando.  Uma situação completamente nova, tanto para nós quanto para o Blue Wind, que no princípio parecia descontrolada, com o tempo se transformava em algo normal, quase uma rotina.    O ser humano se adapta ao ambiente em que vive. A confiança crescia à medida que o barco demonstrava solidez e também à medida que nos dávamos conta que havíamos aprendido a lidar com aquele ambiente hostil. A partir disso, passei a desfrutar da viagem, me imaginando com o barco ancorado em Maceió, protegido e com aquela gostosa sensação da missão cumprida. Essa havia sido, sem dúvida, a perna mais difícil de toda a viagem até agora. As 11 da manhã de sábado, dia 06 de Setembro, chegamos na Federação Alagoana de Vela e Motor, onde tenho muitos amigos e onde tivemos uma calorosa recepção de todos eles. Sempre é muito bom rever os amigos e, melhor ainda, após um momento de superação como esse. Estávamos literalmente de "alma lavada"! E o corpo também, com muito sal, diga-se de passagem!

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Rio -> Salvador: 730 milhas de muita emoção

Depois de um fim de semana de descanso, finalmente apareceu na terça-feira, dia 19 de Agosto, uma janela perfeita para zarpar rumo a Salvador. A idéia era tocar direto, sem parar em Vitória, pois estávamos um pouco atrasados no cronograma e tínhamos que fazer a viagem render.

19 de Agosto: Primeiro dia

Saindo do Rio
Saímos às 13:40h, o vento era de Oeste, porém insuficiente para velejar. Motoramos a noite toda. O mar calmo, devido ao vento estar muito fraco, e, ainda por cima, entrava pela popa, o que resultava em um vento aparente praticamente nulo. 
O "Vento Aparente" é a resultante gerada pela velocidade do vento real somada (ou diminuída) da velocidade do barco. É o vento que você sente no rosto, mais ou menos equivalente à "sensação térmica", muito usada em meteorologia. Por exemplo, se o vento real for de 5 nós e velocidade do barco também for de 5 nós o "vento aparente" será de zero nó se o barco estiver andando na mesma direção do vento, porém será de 10 nós se o barco estiver se deslocando na direção oposta ao vento. 

20 de Agosto: Um dia pra não esquecer! 

O salto da Jubarte
 Lá pelas 10 da manhã começou o espetáculo das baleias! Um show impressionante, nunca havia presenciado algo tão belo e ao mesmo tempo assustador. Dezenas de baleias próximas ao barco, famílias inteiras viajando juntas, se protegendo mutuamente e dando saltos espetaculares, algumas toneladas de massa saindo totalmente da água, brincando como se fossem crianças felizes, livres dos predadores desde 1986 quando sua caça foi definitivamente proibida no Brasil. Em vários outros momentos vimos muitas delas se deslocando pelo mar, resultado de uma proliferação sem precedentes ocorrida nesses últimos quase 30 anos de proteção desses animais por lei. Segundo as estimativas do Greenpeace, foram mortos no século XX mais de dois milhões destes animais. 

Primeira "balonada" do Blue Wind
O sol entre o mar e o balão
Ao meio dia entrou um vento SW de aproximadamente uns 14 nós que nos proporcionou uma velejada memorável! O Ruy corre regatas comigo desde que começamos a trabalhar juntos na Wind Náutica, uns 3 anos atrás. Portanto já nos conhecemos bem e bastou uma troca de olhares para chegarmos juntos à mesma conclusão: Chegou a hora de testar nosso balão!! Vento perfeito, tanto na intensidade como na direção. E assim tiramos o saco do balão do paiol de popa e "tocamos o bicho pra cima", como se diz em bom "gauchês". Só quem veleja sabe o prazer que proporciona uma "balonada", termo criado no mundo náutico para definir uma velejada com ventos de popa e a vela balão em cima, que pode ser tanto simétrica (spinaker) ou assimétrica (genaker), como é o nosso caso. Esse deleite se prolongou até as 20:00hs quando decidimos baixar o balão pois o vento rondara novamente para a popa do barco e teríamos que sair muito do rumo para continuar velejando de uma forma eficiente. Além disso, a madrugada se avizinhava e estávamos nos aproximando de Vitória onde sabíamos que haveria muito trafico de navios. Era muito provável que tivéssemos que desviar de alguns, como sempre ocorre nesses casos, principalmente à noite e, de balão em cima, as manobras são bem mais delicadas demandando muita atenção e prudência. Resumindo, o dia foi fantástico! Baleias, uma velejada inesquecível, um churrasco de primeira, como não poderia faltar, enfim, a felicidade estava estampada em nossos rostos, estávamos de alma lavada, tudo simplesmente perfeito! Até o dia seguinte...

21 de Agosto: Um dia pra esquecer! 


O dia amanheceu e já estávamos no través de Santa Cruz, umas 25 milhas ao norte de Vitória. Eu estava terminando meu turno e o Ruy recém acordando para assumir o dele. Entrou novamente aquele vento de SW de 14-15 nós, quando decidimos, antes da "troca da guarda", colocar o balão pra cima e dar uma folga naquele ruído irritante do motor que vinha nos atormentando durante toda a noite.
Tudo perfeito, o barco andando entre 7 e 8 nós, aquela sensação de prazer tomando conta do corpo e da alma, o sono batendo e eu já me vendo na cabine de proa, dormindo sem a barulheira do Japa (nosso motor, um Yanmar de 54HP, o qual apelidamos de "Japonês").
Entrei no barco e quando me dirigia para o quarto escutei um barulho diferente... Um segundo depois o Ruy gritando lá fora, me chamando para ajudar... Saí despencando para o cockpit e quando cheguei lá fora não queria acreditar no que estava vendo... Nosso lindo balão totalmente dentro da água, com enrolador e tudo, entrando pra baixo do barco, uma cena impossível de ser esquecida! 
Enrolamos a vela mestra, tratamos de parar o barco e começamos uma delicada operação para resgatar nosso equipamento. De início pensamos que conseguiríamos trazer tudo para cima sem precisar mergulhar, o que teria sido ótimo pois o mar estava muito mexido e cair na água naquelas condições parecia ser bem complicado.
Logo percebemos que aquele pensamento não passava de uma mera "expressão de desejo" pois o enrolador já estava por baixo do barco e a escota de sotavento também. Um desastre!! Não tive outra alternativa, coloquei os pés de pato e a máscara e me joguei na água, iniciando um delicado trabalho de resgate do nosso equipamento, uma missão que exigia um certo fôlego e, acima de tudo, muito cuidado para não tomar pancada do barco (que pesa umas 12 toneladas) e estava totalmente à deriva, em um mar bastante picado. Felizmente tudo deu certo, consegui desenrolar a escota e o enrolador e salvar nosso balão! Tremendo sufoco!! 
Mais tarde, analisando o material, vimos que a adriça (cabo que leva a vela para o tope do mastro) havia partido com a pressão, provavelmente por estar estrangulada quando foi içada. Final feliz!!


22 de Agosto: Um dia normal! 

Após o episódio narrado acima, no dia seguinte correu tudo bem e fizemos uma ótima média de 8,2 nós, o que nos agradou bastante pois pretendíamos chegar à Salvador no dia seguinte, o mais cedo possível. Eu tinha planos de voltar à Floripa no mesmo dia e, para isso, tínhamos que andar rápido.

O resto da viagem foi muito tranquila, chegamos em Salvador às 11:30 hs do dia 23 de Agosto, depois de percorrer 730 milhas em exatas 94 horas, menos de 4 dias, sem dúvida, uma ótima performance.

Próxima etapa: Maceió!! 


segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Segunda Perna: Ilhabela -> Rio

Após duas semanas em Ilhabela, onde acompanhamos a Semana de Vela deste ano, finalmente no dia 12 de Agosto, às 8 da manhã, saímos rumo ao Rio de Janeiro, com uma escala prevista em Paraty onde eu teria algumas reuniões de negócio na Wind Charter. 
A Wind Charter é nosso mais novo empreendimento no ramo náutico, uma sofisticada empresa de aluguel de veleiros que iniciou as operações na cidade de em Paraty, em Dezembro de 2013.

 Após uma viagem muito tranquila, motorando o tempo todo, às 5 da tarde do mesmo dia chegamos na Ilha da Cotia, onde decidimos ancorar e passar a noite. A Cotia é um dos cartões postais da região, uma ilhota muito charmosa bem no meio do Saco de Mamanguá, uma das paisagens mais belas e paradisíacas do Brasil. Uma pintura!! No dia seguinte, de manhã cedinho, tocamos para a Marina do Engenho, em Paraty, onde fica a sede da Wind Charter.

O tempo estava perfeito, a travessia foi muito tranquila e aproveitamos o "mar de almirante" para estrear nossa novíssima churrasqueira Magma comprada uns dias antes da viagem. Que churras!! O Ruy, está tendo um sério caso de amor com essa churrasqueira. Parece que além de levar mensagens de esperança aos povos das ilhas ameaçadas de extinção e ajudar nas pesquisas para monitoramento das mudanças climáticas no  planeta, também estaremos levando conhecimento de nossa tradicional cultura do "Churras", tradição gaúcha que nunca pode faltar em um barco de gaúcho, como o Blue Wind. 

Ficamos em Paraty até a quinta-feira dia 14 quando decidimos aproveitar uma janela em que o leste daria uma folga e resolvemos sair às 18:30 hs rumo ao Rio de Janeiro. Navegamos a noite toda (a motor, pois o vento era muito fraco e contra) e chegamos ao Iate Clube do Rio de Janeiro às 6 horas da manhã do dia 15, Onze horas e meia para percorrer 93 milhas, uma média de 8,2 kt, muito bom para uma motorada! Colocamos o barco em uma poita próxima à piscina do clube e fomos dormir! Merecido descanso após uma noite inteira de guarda e poucas horas de sono, tudo que precisávamos era uma boa soneca de pelo menos umas 4 horas...

Doce ilusão! Às oito da manhã já chegou o bote do clube nos acordando e pedindo pra trocar de poita, pois a que havíamos amarrado era de um sócio do clube e iria precisar dela em alguns minutos. Adeus descanso!! Agora alguns dias no Rio para revisão de motor, ajustes de eletrônicos (ficamos sem radar toda a noite), trocar filtros do desalinizador, entre outras ações de manutenção previstas para essa etapa.
Estamos monitorando diariamente a previsão do tempo esperando uma janela para tocar viagem para Salvador. Parece que teremos uma janela interessante na terça dia 19. Se tudo der certo, com essa janela chegaríamos em Salvador no próximo Sábado dia 23. Esperemos que tudo dê certo!! 

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Blue Wind na Blue Planet Odyssey

Após alguns meses de cuidadosa avaliação, considerando todas as variáveis envolvidas no projeto, decidimos fazer parte do Blue Planet Odyssey, com o Blue Wind.

Blue Planet Odyssey é um evento mundial de vela, que tem por objetivo aumentar o conhecimento sobre os efeitos globais das alterações climáticas. O evento é liderado por Jimmy Cornell, fundador da ARC (Atlantic Rally for Cruisers) e organizador de rallies internacionais de vela, de grande sucesso, incluindo cinco eventos à volta do mundo.

Sua rota inclui passagem pelas ilhas mais ameaçadas em cada um dos oceanos: Tuvalu, Tokelau, Tuamotus, San Blas, Maldivas, Micronésia, Kiribati, Marshall, e as ilhas Andaman. Este evento mundial de vela chamará igualmente a atenção para os efeitos das alterações climáticas na camada de gelo do Ártico, na Grande Barreira do Corais e em reservas naturais como as ilhas Galápagos.

Em cada uma das paragens, nesses locais ameaçados, os velejadores participarão em projetos comunitários, como a construção de fábricas de dessalinização alimentadas por energia solar e eólica. Aqueles que possuírem conhecimentos especializados participarão em projetos locais e levarão a cabo reparações importantes e trabalhos de manutenção.

O evento chegará a crianças de todo o mundo através de um intensivo programa educativo. Serão entregues livros e outros materiais educativos em locais que fazem parte da rota, e será oferecido às escolas a oportunidade de geminação com escolas dos países de origem dos participantes.

Em parceria com a Comissão Oceanográfica Intergovernamental da UNESCO, JCOMMOPS (Comissão Técnica Mista de Oceanografia e Meteorologia Marinha) e NOAA (The United States National Oceanic and Atmospheric Administration), os velejadores recolherão amostras de água do mar e farão medições para testarem a acidez, poluição, diminuição da população do plâncton, mudanças na temperatura e salinidade da água, para serem comparadas com os dados recolhidos anteriormente.

Para os que desejarem informações mais detalhadas o site da BPO é   www.blueplanetodyssey.com

Por quê participar deste projeto?
>> Navegar ao redor do mundo, não só para cumprir o sonho de completar uma circunavegação, mas fazê-lo por um propósito maior: ajudar a aumentar a conscientização sobre os efeitos das mudanças climáticas;

>> Levar uma mensagem de amizade e boa vontade para alguns dos lugares mais ameaçados do planeta e mostrar àquelas pessoas que o mundo exterior, representado por nós, velejadores e marinheiros, se preocupa com eles e com o seu futuro;

>> Fazer parte ativa em um programa de pesquisa científica e lidar com os efeitos mais imediatos da mudança climática;

>> Participar de um programa educativo destinado a crianças em idade escolar em todo o mundo;

>> Navegar na companhia de pessoas afins que compartilham nossa preocupação com o futuro do nosso planeta;

>> Ser parte de uma grande aventura e ser capazes de dizer a nossos filhos, netos, amigos, vizinhos e colegas de trabalho que ao menos tentamos fazer algo pelo futuro do planeta.

 Mapa das Rotas:

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Primeira Perna: Guarujá -> Ilhabela

Três semanas após a primeira velejada no Guarujá finalmente conseguimos soltar as amarras e nos lançar ao mar para cumprir a primeira etapa de nossa aventura. A semana foi tensa, muitos problemas para finalizar o barco, a data de partida se aproximando e o Blue Wind cada vez mais bagunçado. Problemas com os eletrônicos, mesa do salão por colocar, mesa do cockpit ainda em fabricação, adesivagem e películas das gaiútas e para-brisas por terminar, alto-falantes do cockpit sendo trocados de lugar por conta de forte interferência magnética nas bússolas, enfim, cada dia que passava a lista de pendências aumentava!!

Na mesma pegada que eu estavam trabalhando no barco o Ruy, meu fiel escudeiro que está acompanhando o Blue Wind desde o carregamento no estaleiro até a montagem final no Guarujá e o João Paulo Moraes, maior responsável pela construção do barco e líder da equipe que trabalhou incansavelmente durante um ano e meio na Wind Náutica, em São José dos Pinhais, executando cada detalhe do barco como se estivesse construindo seu próprio veleiro.

Na noite de quinta-feira o barco ainda estava um verdadeiro caos e sequer havíamos abastecido de comida e água para este primeiro trecho. Todos cansados, ansiosos pela viagem que se avizinhava, acabamos indo dormir à uma da manhã de sexta-feira, estando a saída prevista para as cinco da manhã daquele mesmo dia. Apesar de haver dormido apenas três horas e meia, acordamos na hora prevista, jogamos uma água no convés, uma fruta para enganar o estômago e, mesmo sabendo que ainda teríamos muitos agregados na lista de pendências, zarpamos rumo a Ilhabela! 

Como havia ventado muito na madrugada, a saída do Guarujá foi bastante incômoda devido à forte ondulação que vinha de sul. Como não havia vento naquele momento, ficamos sacudindo de um lado para outro motorando até chegar no través da Ilha da Moela quando finalmente subimos as velas e começamos a velejar lentamente no rumo 90 graus, torcendo para aumentar o vento para poder testar o barco em condições um pouco mais severas. Umas duas horas e meia depois, para nosso deleite, Éolo (Deus do Vento) escutou nossas preces e enviou um Noroeste de aproximadamente uns 15 nós.

Uma velejada fantástica, o barco chegou a 10 nós, uma performance invejável para essa condição de vento, principalmente se levarmos em conta todos os equipamentos que carrega.
Apesar dos muitos problemas que ainda temos para resolver, a primeira perna da viagem foi um sucesso. O Blue Wind veleja macio, não apresenta rangidos no interior, se percebe que o barco está muito bem resolvido estruturalmente e se comporta muito bem com ventos de través. Agora ficaremos em Ilhabela por uns 10 dias para ir resolvendo os itens da interminável lista de pendências que segue crescendo. No próximo post mais detalhes sobre essa grande aventura que recém começou

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Montagem e Primeiros Testes

Após seis semanas no Guarujá, montando traveller, stoppers, mastreação (Sèlden com enrolador),  pintura de fundo, adesivagem de casco, calibragem, testes de equipamentos eletrônicos e elétricos, sistemas hidráulicos, etc., finalmente conseguimos sair na última quinta-feira dia 03/07 para um primeiro velejo com o Blue Wind.

Foi uma saída rápida pois já estava anoitecendo e o objetivo era apenas ver como o barco se comportava em sua primeira velejada. 

O vento estava muito fraco e nem sequer usamos a genoa pois havia muita tralha solta dentro do barco e não queríamos derrubar nada no chão. Mesmo assim deu pra sentir aquela emoção do primeiro velejo, depois de um ano e meio de muito trabalho na construção do Blue Wind. 

O barco já mostrou que que vai andar bem, pois com apenas 4 nós de vento estávamos velejando a 3,5 nós de velocidade, nada mau para um 44 pés equipado com tudo que tem direito.


Agora teremos mais uma semana para os ajustes finais, instalar capotaria e finalmente, se tudo der certo, lá pelo dia 15/07 saímos para a primeira perna da Volta ao Mundo: Guarujá - Ilhabela.

Pretendemos ficar em Ilhabela e arredores durante a Semana de Vela, velejando bastante e "morando" no barco para testar tudo, cozinha, banheiros, sistemas hidráulicos, watermaker, enfim, tudo o que é importante que esteja funcionando bem quando estivermos bem longe da costa.

Ainda durante a Semana de Vela pretendemos zarpar para Paraty e Angra dos Reis onde pretendemos passar alguns dias e em seguida tocar para o Rio onde o Blue Wind ficará por umas duas semanas aguardando a tripulação para seguir adiante para Vitória, no ES.

No próximo post detalhes da primeira perna da viagem, fotos e uma descrição detalhada do barco, seus itens de conforto, tecnologia e segurança, fundamentais para uma viagem desse porte.