sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Sétima perna: Recife - Noronha


   A semana anterior à REFENO (famosa regata oceânica entre Recife e Fernando de Noronha), que fazia parte de nossa rota rumo ao Caribe, foi muito agitada. Chegamos ao Iate Clube Cabanga, que organiza a regata, no domingo dia 21 de Setembro, seis dias antes da data prevista para a largada. Depois de uma travessia relativamente tranquila (para alguns e nem tanto para outros) entre Maceió e Recife, decidimos comer um merecido churrasco em uma das melhores churrascaria de Recife.


Pré-largada
 Na segunda-feira começou a clássica função da regularização do barco para a regata. Apresentação de certificado de medição, inspeção da marinha, instalação da base de dados do Iridium para poder ter comunicação em alto mar, compra das cartas náuticas faltantes, reunião de comandantes e todas aquelas burocracias necessárias para obter a liberaçāo da Marinha do Brasil para "lançar-se ao mar".

   A Marinha leva tudo isso muito a sério nessa regata pois não se trata apenas de uma navegada próxima à costa mas sim de uma singradura oceânica, onde os competidores enfrentarão condições adversas dia e noite. 

   Dessa vez a Ani estava o tempo todo junto, dormindo no barco, participando de tudo e super entusiasmada com a idéia de participar da regata como tripulante, mesmo depois de ter passado mal na ultima perna, por conta de haver ficado mareada por muitas horas.

Largada
O final da semana e da largada se aproximava e eu acompanhava cuidadosamente a previsão do tempo para não ter nenhuma surpresa desagradável que pudesse  comprometer a motivação e o sucesso da velejada. Era minha intenção nessa perna apagar a "má impressão" que se formou na mente da Ani após o trecho entre Maceió e Recife. Nossa tripulação seria, a princípio, cinco pessoas, mas como a previsão do tempo foi se modificando no decorrer da semana (para pior), decidimos que a Ani não participaria da regata pois sem dúvida a navegação que nos esperava pela frente seria muito dura. Na última hora meu amigo Tonho, de Maceió, parceiraço de várias REFENOS e amigo de muitos anos, me ligou e me avisou que também não poderia ir.

    Acabamos com somente três tripulantes: eu, o Ruy e o Marcel Miranda, outro amigo alagoano, velejador dos bons e também grande parceiro de outras REFENOS.

   Tudo organizado, no sábado de madrugada saímos do Cabanga  para o PIC (Pernambuco Iate Clube) pois devido ao nosso calado precisávamos sair com a maré alta, que acontecia as 5:30 da manhã naquele sábado, caso contrário corríamos um grande risco de ficar encalhados e perder a largada da regata.

Ruy no início da Regata
   À uma da tarde largou nosso grupo, com um vento de través consistente que  nos proporcionou um bom início de regata. Rumamos para a Praia da Boa Viagem onde estava a primeira (e única) bóia da prova. Nos aproximamos rapidamente para montar a bóia e quando chegamos nela… Pasmem, o vento parou!  Putz, bem agora! O leme não respondia, não conseguíamos cambar, o mar agitado e nem uma brisa pra ajudar!
   Resultado: a correnteza nos arrastava para trás, não tínhamos controle sobre o barco e acabamos batendo na marca, que tinha dois fiscais dentro, pois na verdade a bóia era um bote. Um deles, vendo nosso desespero, nos estimulou a seguir em frente, no entanto decidimos pagar um 360° (penalidade prevista na regra nessa situação) invocando o mais nobre espírito esportista que todo competidor deve ter e nos tornando assim os primeiros idiotas da história das REFENOS a pagar um 360 na montagem da única bóia da regata!! Começamos bem!!

   Em seguida, como se tudo não passasse de uma ilusão, o vento voltou a soprar e o Blue Wind começou a velejar com toda elegância que lhe é peculiar, deslizando graciosamente nas águas de Recife e iniciando finalmente sua jornada rumo a Fernando de Noronha.

Eu e Ani na Praia do Leão
   O barco andava bem, nos preocupávamos constantemente com a trimagem das velas e com o rumo, pois ter sucesso nessa regata depende basicamente de dois fatores: andar em linha reta (manter o rumo) e com velocidade (regular as velas constantemente). Mesmo com a tripulação reduzida conseguíamos manter um ótimo ritmo, com o vento aumentando e com o mar engrossando cada vez mais.

   Ao cair a noite o vento já estava na casa dos 25 kn e as ondas chegavam próximas dos 3 metros e meio, deixando a navegada bastante desconfortável. Na madrugada de sábado para domingo já estávamos com todas as velas reduzidas e, mesmo assim, o Blue Wind mantinha um ritmo entre 7,5 e 8,5 kn, muito bom considerando que o barco está muito pesado pela quantidade de equipamentos que carrega. Somente na madrugada de domingo para segunda é que o vento deu uma acalmado nos possibilitando finalmente colocar todos os panos para cima.

Noronha
   Cruzamos a linha de chegada exatamente às 4:55h da manhã, fazendo as 300 milhas entre Recife e Noronha em 39 horas e 55 minutos, excelente se considerarmos as 2 horas que perdemos desde a largada até a desastrosa montagem da bóia da Praia de Boa Viagem, em Recife.

   Fomos o 24° barco a cruzar a linha, entre um total de 70, e o 4° na nossa classe. Tudo parecia estar se encaminhando para um ótimo resultado… Não fosse por erro em nosso certificado de medição…

   Chegar de barco em Fernando de Noronha… Uma sensação única, indescritível! Essa deve ter sido a minha oitava ou nona REFENO, mas sempre é como se fosse a primeira. Essa ilha é mágica, tem uma energia única e mesmo estando exaustos da regata sentimos uma enorme sensação de bem estar quando fundeamos no porto de Noronha, provavelmente  um dos únicos portos do mundo onde você é calorosamente recepcionado pelos golfinhos, essas adoráveis "crianças do mar" que parecem estar sempre de alto astral!

   Saldo da regata: tripulantes de vários barcos passando mal pela condição incomum de mar pesado nessa época e vários abandonos, sendo que um catamarã capotou e afundou. Por sorte toda a tripulação foi resgatada, sem maiores consequências, exceto pelo susto.

   A semana em Noronha foi perfeita, a Ani chegou na segunda-feira de avião e ficamos até sábado na Ilha, aproveitando cada minuto no paraíso.

   Na quarta-feira saiu o resultado da regata. Todos ansiosos, será que ganhamos? Talvez não, mas no mínimo esperávamos subir ao pódio.  Velejamos muito bem, andamos rápido, tínhamos certeza que havíamos exigido tudo do barco… Chegávamos a superar os 10 knt. de velocidade em alguns momentos, literalmente surfando as ondas, que a essa altura já vinham de sudeste, ajudando bastante na performance do barco.

Chegando em Noronha   
 
Vejam só qual não foi nossa surpresa quando vimos o resultado de nossa classe, a RGS A: Blue Wind 1° lugar… Ops, faltou um zero… Na verdade, 10° lugar!! Caracas!! Como pode ser? Fizemos tudo tão certinho… Pois é, mais tarde, quando me refiz do "balde de água fria",  parei para comparar nosso rating com o dos concorrentes, na tentativa de entender o que estava acontecendo, e só então me dei conta do absurdo que é a regra da RGS no Brasil. Barcos similares ao nosso, como por exemplo o Delta 45, que deveriam ter ratings muito parecidos, tinham ratings absurdamente menores a ponto de nosso barco "pagar" mais de 4 horas em uma regata de 40 horas como essa. Começo a entender porque essa regra está cada vez mais sendo abandonada pelos competidores mais sérios que estão migrando para a ORC, uma regra muito mais justa e profissional que a RGS.

Comemorando a chegada!!
   Mas como diz o ditado, o importante é competir! Seja em primeiro, seja em décimo, mais uma perna de nossa aventura foi concluída com êxito. Agora falta apenas um trecho em território brasileiro: Noronha - Fortaleza, mais 360 milhas para chegar ao último porto verde e amarelo.

5 comentários:

  1. Acabei de ler todas as postagens, super bem escritas e lançam um gosto bom de aventura no ar, aguardamos mais postagens pelas como essas, no decorrer da volta ao mundo! Bons ventos a tripulação
    att
    Rodrigo Fidelis - Passadiço®

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  2. Obrigado Rodrigo, a ideia é escrever ao menos um post para cada perna, exatamente com esse espírito que você captou bem em seu comentário: "deixar um gostinho de aventura no ar". Sucesso no seu projeto e Bons Ventos!!

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  3. Valeu James,
    Vcs ainda chegaram em 39 horas com um barco bem veloz, e eu que fiz em 52 horas e vi barco ligando o motor na cara dura...
    Mas para nós o que valeu mesmo foi ir, chegar e conhecer!!
    a competição é só para dar um tempero a mais.
    Boas travessias!!
    Estaremos aqui acompanhando vcs. Já coloquei seu link no meu blog.
    Bons Ventos
    Paulo Ribeiro
    veleiro Bepaluhê

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    1. Obrigado pelos comentários Paulo. Isso de barco ligando motor no meio da regata já é um clássico na Refeno. Teve um ano que perdemos o 1o lugar para um baiano que motorou direto, a noite toda. Protestamos e não levamos, porque não tinha como provar, mas o "cara dura" passou do nosso lado com o motor ligado!
      Bons Ventos e boas travessias pra vocês também!!

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  4. Olá James, parabéns pelo belo barco e pelo blog. Estava com meu "novo" cat na Flórida e só agora vi o blog. Vou lendo do principio. Desejo successo na Viagem.
    Grande abraço, Beltrão
    PS: Coloquei seu link no meu blog (veleirotingua.blogspot.com).

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